Sunday, September 28, 2008

Casa de Minha Avó Maria - Luxo para poucos!

Comer bem é um dos maiores luxos que alguém pode ter, comer bem em casa é algo quase que impensável para a grande maioria dos meros mortais como eu. No entanto, eu tenho o prazer de poder, de vez em quando, devido à distância, comer maravilhosamente bem na casa de minha Avó Maria, me desculpe meu Avô, mas quando falamos de comida a casa é como se fosse só dela. Segundo ela mesma, comer desta forma é uma tradição que foi passada de mãe para filha, falando assim parece que deve ser simples fazer aquilo tudo, mas tenho dificuldade de imaginar um lugar onde se pode ao longo de anos, manter a consistência de qualidade como lá, se nem os grandes chefs, cobrando fortunas conseguem é porque isso não é nada simples.

Almoçar lá é um evento de horas, sempre começamos na varanda (que tenho que admitir era mais agradável na saudosa Albalonga) com pequenos abarás que derretem na boca, com um leve toque de dendê, ou com uma tábua de queijos e torradinhas, quem sabe um dos canapés que minha irmã adora. Um clássico que nunca falta é o Beiju de Tapioca com pastinha de parmesão, a tapioca fica crocante e tem um gosto leve que é dominado pelo sal do parmesão, poucas coisas tem tanto gosto de Bahia como isso.

O serviço lá é um capítulo a parte, Magic Mauro (como meus amigos Italianos o apelidaram, depois de um carnaval que as coisas simplesmente brotavam do chão sem nem notarmos a sua presença) é uma das pessoas mais gentis e discretas que vc vai conhecer. Sempre como seu uniforme branco, está disposto a fazer uma caipirinha, trazer uma coca-cola em um copo gigante, ou simplesmente servir água nos nossos copos durante o almoço. Não sei se sou eu que já acostumei em comer lá, mas tenho a impressão que o serviço é effortless, mas tenho certeza que não é. Ao sentar a mesa, posso notar que tudo foi pensado, da toalha que combinam com os porta-guardanapos, aos copos de vinho que combinam com a louça, mas nada de conjuntinho, e sim uma montagem muito bem feita, mas que não ofusca a grande estrela do dia: a comida. Claro quer o arranjo do centro da mesa também foi bem pensado, mas só está ali até meu Tio o tirar, pois está atrapalhando a conversa.

Se você tiver sido inteligente o suficiente, ou no meu caso já tenha freqüentando esses eventos muitas vezes, você resistiu bravamente a gula dos aperitivos e sobrou ainda um bom espaço no seu estomago. Porque nunca se come um só prato na casa de minha avó. Neste sábado, seguindo os meus pedidos, iniciamos com um Bacalhau Gomes de Sá, um prato típico português, que me perdoe o Antiquários, acho que nunca comi um tão bom. A simplicidade do preparo me deixa intrigado como as outras pessoas não conseguem chegar nem perto daquela perfeição de sabores. A batata que está al dente, contrasta com a maciez dos tomates e do próprio bacalhau (segundo minha avó ela estava preocupada, pois era a primeira vez que usava apenas o filé do bacalhau, mas depois desse almoço, acho que ele não volta mais ao velho bacalhau). O molho é quase que indescritível com a leveza do litro de azeite de oliva (azeite doce na Bahia) mas a profundidade dos legumes e peixe cozinhados por horas ali. O pãozinho torradinho que estava a nossa esquerda já tinha um destino certo, ela já sabia que seria tão bom e que não resistiríamos a limpar os pratos.

Não satisfeita com o Bacalhau, nos chega o segundo prato carne de fumeiro, com abacaxis, cebolas, farofa e feijão verde. Vou explicar primeiro o que é carne de fumeiro: uma manta de carne de porco que é meio que defumada com algumas ervas, segundo minha Vó, lembrando um pouco o processo das lingüiças, por horas e fica rosada, com aquele sabor inconfundível da fumaça, quase que doce. A carne estava um sonho, macia, leve e adocicada, acompanhava uma das farofas baianas bem amarelinhas (não, não a que vcs estão pensando com dendê, farinha boa é torradinha e já vem meio amarelada, com a mistura da manteiga ela ganha essa cor amarelo ouro, diferente do amarelo bandeira da outra farofa) e um feijão verde (não sei muito bem o que é isso, mas sempre tem lá) é como se fosse um feijão fradinho, com um molho mais leve, mais aguado, com temperos quase que refrescantes, esta combinação é perfeita com essa carne, que já tem esse gosto tão peculiar e não deve ser dominada por mais nada.

Não posso deixar de dar crédito a Dr. Aleixo aqui, meu avô que já bebe vinho tinto muito antes que taninos e carvalhos americanos e portugueses eram assuntos de mesas. Lá aprendi que vinho branco é Chablis, que vinho tinto é francês (tenho que admitir que tenho conhecido coisas fantásticas ultimamente que não são franceses, mas vamos combinar se vc só pudesses escolher uma nacionalidade era essa que vc ficaria). A seleção de vinhos de lá é sempre marcante, não porque o tanino do vinho combina com algum tempero, simplesmente porque um bom vinho sempre combina com uma boa comida.

Mas se você é realmente um expert nesses almoços, vc não se esqueceu durante o delírio acima descrito que as sobremesas lá são um capítulo a parte (mesmo eu, as vezes me perco e acabo comendo mais do que devia). Neste dia comemos uma cheesecake, que apesar de ter tido sua deliciosa crust queimada (obviamente pela coitada da ajudante, dado que minha Avó não erra) tinha o seu recheio leve, quase que com consistência de creme de leite, mas com o sabor levemente azedo do queijo, que contrastava com o doce da geléia de morango. Mas podia ter sido a deliciosa torta de amêndoas, que são descascadas uma por uma, para fazer o recheio da torta mais gostosa que conheço.

Obviamente sou viesado, pode ser que tudo isso seja na verdade melancolia de um tempo onde almoçava lá sábados e domingos, quando meus grandes problemas eram a prova de redação, e que meus finais de semana eram dominados por banhos de piscina e revistinhas em quadrinhos, onde as conversas não incluíam nem bail-out ou SELIC. Um tempo quando comer aquilo tudo era normal, que não sabia o quão especial era ter o privilégio de aprender tanto sobre comida. Só tem uma maneira de descobrir, venha você experimentar, se vc sair de lá com uma impressão diferente, acho que vou abandonar esse blog. 

7 comments:

Anonymous said...

Tuca
Já estou imaginando sua avó lendo tudo isso. Agora é que você virou mesmo o neto preferido... O melhor é que é tudo verdade, e, infelizmente, nós que temos o privilégio de comer lá todos os finais de semana não damos a devida importancia. A partir de hoje, tenha certeza que vou estar lá curtindo tudo isso de outra maneira. Obrigada por me acordar.
Beijo.

Gus said...

Eu sabia que essa ida para a terra mais alegre do Brasil ia resultar em um super post, porque sempre escuto muito bem dos almoços na casa de sua avó.
Fiquei com agua na boca do segundo prato é claro, o primeiro eu deixaria para todos os baianos.
Abs

Anonymous said...

Estou emocionada. Sempre me considerei uma boa cozinheira; começei aos 12 anos nos acampamentos de Bandeirante.
Segui a tradição da família de grandes cozinheiras e empregadas maravilhosas que foram segundas mães para mim.
Nunca pensei que seria merecedora de elogios em blog ao alcance de outros curtidores do bem comer com alegria, como encontros de uma família feliz que festeja a vida, reunindo-se sempre em volta da mesa como gostava meu pai e meu marido continua a tradição.
Um beijão da Vovó Maria

Anonymous said...

Que me perdoem os outros netos do mundo, mas meu irmão esta certo. Comer na casa de minha avó Maria é um luxo para poucos! Impossível seguir o conselho que ela me da quando chego lá "Minha filha, você precisa emagrecer. Comer menos..." .... Ela diz isso todas as vezes, quase sempre, com o cheiro delicioso de sua comida vindo da cozinha. A unica resposta que tenho é: "Aqui em sua casa: IMPOSSÍVEL!!!"
Dani

Anonymous said...

Tuca, realmente voce descreveu os almocos na casa de minha avo melhor do que ninguem.
Essa eh uma das minhas grandes saudades e dores de estar tao longe e nao poder participar deles.
Tenho certeza de que ela ganhou o dia, mes, ano com esse post.
Beijos.

Anonymous said...

As sensações se misturam, evidentemente, nós pobres mortais não conseguimos separrá-las nunca. O sabor dos pratos, misturados às sensações vividas na infância acrescidos de amor e afeto são realmente imbatíveis. Lembrei da cena do Filme Ratatoullie ( é assim que se escreve?), quando aquele crítico gastronômico provou o prato feito especialmente para ele.. e imediatamente o remeteu aos prazeres da infância. Parabéns pelo texto. Beijos.

Unknown said...

Que maravilha!Que sabor!posso até sentir.......
Você tem o privilegio de poder curtir esses momentos e valoriza-los.
Nada como a casa de nossos avós (mesmo com as passas!).
beijos,
Lisa